Tenho pressa de vivermos no “tal tempo da delicadeza”, que Chico Buarque tão poeticamente profetiza. Mas parece que estamos muito longe disto. Se formos pensar nos filhos que estão sendo deixados para esse planeta, tão logo estaremos no tempo da boçalidade. Atualmente vivemos alienadamente, no tempo da imbecilidade, quando ser fútil e superficial premia por meritocracia.
Não sou mãe, não ainda, talvez por isso as pessoas fiquem irritadas quando critico alguns métodos de educação que tenho presenciado nas escolas por onde trabalho. “ É fácil dizer, você não é mãe”, “ É fácil por a culpa nos pais.” Escuto essas frases, sempre que chamo o pai ou mãe de um dos meus alunos à sua responsabilidade legal de zelar pela educação de seus filhos. Mas garanto que não precisa ser pai ou mãe para saber que alimentar hábitos de consumo exagerados, não cobrar responsabilidades, não impor limites, e não dar carinho, torna todo o resultado do processo de formação humana comprometido.
Estamos formando jovens intolerantes, insensíveis e criminosos. Parece fácil falar sobre isso quando lidamos com pessoas pobres, pretas e faveladas, a sociedade preconceituosa em que vivemos parece já esperar que desse grupo de excluídos saiam predadores sociais. No entanto o terreno se torna mais arenoso quando os tais predadores sociais são filhos da classe média, pessoas de pele clara, de carros novos, que estudaram em boas escolas, que se entupiram de danoninho, que ganharam os melhores presentes de Natal.
Na última terça-feira, (dia 8), um professor universitário de 39 anos foi vítima de um desses predadores. Assassinado em seu local de trabalho com requintes de torturas. Seu algoz? Hamilton Loyola Caíres, um jovem “universiotário”, que já havia sido expulso de outra faculdade por agressão a um professor. Mas você nunca tinha ouvido falar nesse rapaz, não é? Aposto que nem sabia que professores de escolas particulares são constantemente agredidos. Essas notícias raramente vazam do espaço da elite privilegiada. Suas vítimas raramente denunciam, são convencidos, ou melhor, intimidados a ficarem calados, para não perderem seus “ótimos” empregos em escola de “gente rica e educada”, e ter que conviver com os “marginais” das escolas públicas.
“_ Ele era um folgado”, foi isso que o rapaz disse, um folgado, “por isso, eu que não sou, que respeito o espaço do outro, resolvi matá-lo”, foi isso que ele quis dizer. Fico me perguntando sobre que educação esse rapaz teria recebido de seus pais. Será que aprendeu a ter limites?Será que ouviu nãos suficientes? Será que recebeu o afeto necessário para aprender a respeitar o direito à vida que toda forma de vida têm? Será que foi suficientemente cobrado em seus deveres, e cotidianamente lembrado de suas responsabilidades? Será que aprendeu a tolerar as diferenças, e a assumir as conseqüências de seus atos?
Vivemos a geração do playstation. A geração do vazio, do superficial. Pais entupindo seus filhos de presentes caros, de mídias diversas, de músicas e jogos vazios. Crianças crescendo cercadas pelo excesso, pelo exagero do ter, desprovidos da simplicidade do ser. Freqüentadores de escolas caras que preparam para a competição e não para a fraternidade e todos os outros conceitos importantes para uma saudável vida em sociedade. Filhos de pais que não ouvem, não vêem, não falam.Que não dão livros a seus filhos, muito menos conselhos, simplesmente os protegem.
Sim, protegem, estão sempre prontos para proteger seus filhos da péssima educação que lhes legaram. Imagino que já deitam em suas camas pensando no que farão, quando o telefone tocar na madrugada e forem seus “bebês”, ligando de seus celulares caríssimos, envolvidos em alguma “merda”, precisando de uma propina, um carro de fuga, um advogado.
Fico imaginando que foi assim que se sentiu o pai de Alexandre Nardone , quando o telefone tocou e era seu filho dizendo, “pai, joguei minha filha pela janela, preciso de ajuda”, de Rafael Bussamra, quando ouviu: “pai matei um skaitista, preciso de propina”, ou a mãe de Cáren Brum Paim, ao ouvir: “mãe, matei minha namorada, preciso de esconder o corpo”. Todos eles, e muitos outros como eles, ajudando seus filhos, tentando concertar, ou esconder a “merda”, que eles mesmos fizeram.
Não conheço os pais desse Hamilton Loyola Caíres, nem sei como estão reagindo, mas conheço bem o perfil de nossa classe média. Pais e mães fanáticos por ganhar dinheiro, por comprar, por aparentar. Que tem cotidianamente delegado a função de cuidar dos filhos ao playstation, às escolas, aos amiguinhos, que como eles, são “órfãos de pais vivos”, todos eles “senhores das moscas”, vazios, violentos, sem consciência social, sem consciência pessoal, perdidos na selva da globalização, escondidos atrás de redes sociais virtuais, colecionando amigos no orkut, seguidores no twitter, quando na verdade não têm nada a dizer e são incapazes de conviver em sociedade.
Realmente não tenho filhos, e de tanto receber notícias de jovens que agridem pessoas porque são negras ou homossexuais, que matam seus professores por que ficaram com nota baixa, que se formam profissionais universitários sem nunca terem lido um livro se quer... Tenho medo. Tenho medo de criar filhos com os valores que acredito serem essenciais para a vida e o convívio em sociedade, e acabarem, como tantos por aí, vítimas desses jovens, ou melhor, dessas famílias, ilimitadas e inconseqüentes, totalmente desprovidos desses valores. Tenho medo que meus filhos se tornem vítimas desses jovens educados pelo playstation .
Monique Pacheco
Professora e Bacharel em história pela PUC-MG
moniquenajara.eu@ig.com.br
blog: moniquenajaraapacheco.blogspot.com
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